Pesquisar
Close this search box.
CUIABÁ
Pesquisar
Close this search box.

Artigo

O Estado subterrâneo da guerra

Publicado em

OPINIÃO

Não pensem que este escriba perdeu as estribeiras. Mas o mundo vive um estado de guerra. A afirmação leva em consideração não apenas as guerras que se travam na arena das mortes, entre elas, o duelo de Rússia e Ucrânia, de Israel versus Palestinos ou os conflitos entre Azerbaijão e Armênia. Abriga as batalhas de bastidores, que se operam por meio de estratégias indiretas, ferramentas já usadas no passado e que se mostram eficientes para equilibrar o sistema de forças do planeta. Afinal, não interessa a Xi Jinping, a Putin ou a Trump destruir fisicamente seus adversários com armas que devastariam a vida no planeta.

Explico o que se entende por estratégia indireta, pinçando o pensamento de celebrados formuladores de guerra. O que eles têm a nos ensinar?

Vejamos.

Os conceitos começam com Sun Tzu, o general filósofo chinês, que fez um livro sobre a arte da guerra. Lembremos alguns de seus princípios:

– Prepare iscas para atrair o inimigo. Finja desorganização e o esmague. Se ele está protegido em todos os pontos, esteja preparado para isso. Se ele tem forças superiores, evite-o. Se o seu adversário é de temperamento irascível, procure irritá-lo. Finja estar fraco e ele se tornará arrogante. Ataque-o onde ele se mostrar despreparado, apareça quando não estiver sendo esperado.

Pensem, agora, em Xi Jinping e Trump. Xi preparou uma bela isca para atrair a atenção do irascível Trump. O DeepSeek deve ter irritado o carrancudo presidente norte-americano. O líder chinês fingiu certo medo ante a beligerância trumpiana nos primeiros dias da administração e o atacou em um ponto vulnerável, o da tecnologia. Usou estratégia indireta de guerra.

Volto aos antigos, focando, agora, em Miyamoto Musashi, um espadachim japonês na arte dos samurais, tendo liderado algumas guerras. Extratos de seu pensamento:

– Pense sempre em “cruzar o riacho” e cruzá-lo no ponto mais propício.

– Cruzar o riacho significa atacar o ponto vulnerável do adversário e colocar-se em posição vantajosa.

Leia Também:  O prato cheio da corrupção

Voltemos a pensar no raivoso Trump e no calmo Xi Jinping. O que fez este de surpreendente nos últimos dias? Cruzou o riacho no lugar mais propício para chegar ao outro lado, colocando-se no cume do mundo da tecnologia e fazendo destroços no Vale do Silício, nos Estados Unidos. O DeepSeek foi a bomba que permitiu a Xi Jinping gerar um trilhão de dólares de prejuízo aos magnatas da tecnologia norte-americana. Mais uma vez, temos aí esuma estratégia indireta.

Entra, agora, em cena o terceiro estrategista, o cardeal Mazarino, que ingressou no serviço militar do papa, como capitão-tenente. Com seus dotes diplomáticos, ascendeu na carreira e foi convidado pelo cardeal Richelieu a ingressar no serviço de Luis XIII. Acabou sendo nomeado sucessor de Richelieu, depois da morte deste.

Pensava assim:

– Em uma comunidade de interesses, o perigo começa quando um dos membros se torna muito poderoso.

– Quando te preocupares em obter alguma coisa, que ninguém se aperceba de tua aspiração antes de a realizares.

– Não procures resolver com a guerra ou um processo aquilo que podes resolver pacificamente.

Tal escopo mexe com Donald Trump e Xi Jinping? Mexe, sim. Donald estava se achando o rei da cocada preta, tornando-se muito poderoso, e se apresentando como o novo xerife mundial.

“Vamos fazer-lhe uma surpresa”, pensou Xi Jinping. Cuidou para ninguém vazar o DeepSeek. E soltou uma bomba tecnológica que fez Donald Trump dar um murro na mesa do Salão Oval da Casa Branca, onde despacha. O chinês deu sentido ao conceito de guerrear de forma pacífica, sem apelar às armas nucleares. Usou uma estratégia indireta.

Chego ao quarto estrategista, Niccolò Machiavelli, considerado o artífice da ciência política, aquele que construiu um ideário para dar sustentação ao Príncipe, Cesare Borgia. Dizia:

– Um príncipe sábio deve encontrar um modo pelo qual seus cidadãos, sempre e em qualquer tempo, tenham necessidade do estado e dele; assim, eles sempre lhe serão fiéis.

Leia Também:  Dividir para conquistar

Anotaram alguma semelhança com Xi Jinping? Ora, o líder do partido comunista chinês mostrou ao bilhão e quatrocentos milhões de concidadãos de seu enorme país que age com grandeza, ganhando, assim, o respeito de uma comunidade que lhe será sempre fiel.

Por último, um encontro com Karl von Clausewitz, famoso por escrever o livro de cabeceira de Adolfo Hitler, “Da Guerra”.  Este filósofo era um soldado profissional, filho de oficial, neto de clérigo e teve papel fundamental nas campanhas de Moscou de 1812 e 1813. Ele endureceu o coração, vendo os fogos infernais do incêndio que destruiu Moscou, a maior catástrofe material das guerras napoleônicas, evento atribuído aos cossacos que, antes de fugirem, tocavam fogo em todas as casas.  Por isso, a guerra, para ele, tinha muito a ver com matadouro.

Vejamos extratos de seu pensamento:

– A guerra é um ato de violência com que se pretende obrigar o nosso oponente a obedecer à nossa vontade.

– A destruição do inimigo é o fim natural do ato da guerra.

– Somente batalhas grandes e generalizadas podem produzir grandes resultados.

– A guerra é uma mera continuação, por outros meios, da política.

Atenção, agora estamos diante da estratégia direta, do confronto armado, dos canhões, das armas nucleares, da devastação de adversários. Isso é o que interessava a Adolf Hitler, mas não interessa a Vladimir Putin, a Xi Jinping aos líderes do mundo ocidental, com exceção, talvez, do presidente norte-americano, que sinaliza com sua cara fechada, apelo às armas nucleares. O mundo está em expectativa, aguardando a entrada em cena do belicoso Líder Supremo da Coreia do Norte, Kim Jong-un.

Existe nos subterrâneos das potências um amargo gosto de guerra!

Que tempos, hein?

 

*Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político

COMENTE ABAIXO:
Propaganda

OPINIÃO

O prato cheio da corrupção

Publicados

em

O Brasil continua sendo um país corrupto. O que todos sabem. A novidade é que acaba de ganhar o registro de pior desempenho no ranking sobre a corrupção, em 2024. A escalação é feita no Índice de Percepção da Corrupção da Transparência Internacional, de acordo com relatório divulgado esta semana. Atingiu a menor nota (34 pontos de 100) e uma péssima colocação (107ª posição entre 180 países) na série do levantamento iniciada em 2012.

Uma vergonha para os Poderes Constitucionais, eis que os escândalos da hora envolvem o Executivo (“toma lá, dá cá”; favorecimentos a entidades e parlamentares amigos), o Legislativo (distribuição de recursos sem transparência feitos por emendas) e o Judiciário (vendas de sentença em Estados). Quanto mais se fala de controles rígidos, e o TCU até pode comprovar, maior a corrupção. E por que isso ocorre?

Explico. No centro dos lamaçais que são desvendados, remanesce uma questão central, já aflorada por Norberto Bobbio, no seu clássico “O Futuro da Democracia”: o poder invisível, cuja eliminação constitui uma das promessas não cumpridas pela democracia.

O poder invisível consiste nas ações incontroláveis de grupos que agem nas entranhas da administração pública, dando formato a um duplo sistema de poder, chegando, em certos momentos, a “peitar” a estrutura formal de mando. Exemplo radical desse fenômeno ocorre quando uma facção criminosa chega ter um orçamento de muitos bilhões de reais, com o comércio de drogas, vendas de armas, agindo nas malhas intestinas do Estado, subornando autoridades e estruturas burocráticas.

Há uma máfia que age nas sombras da administração, difícil de ser completamente mapeada. Sua origem se localiza nos antigos Estados absolutos, quando as decisões eram tomadas pelos arcana imperii, autoridades ocultas que se amparavam no direito de avocar as grandes decisões políticas, evitando a transparência do poder.

Leia Também:  O prato cheio da corrupção

Um dos princípios basilares da democracia é o jogo aberto das ideias, o debate, a publicização dos atos governamentais, como forma de controle dos limites do poder estatuído. No absolutismo, o princípio consistia na tese de que é lícito ao Estado o que não é lícito aos cidadãos. As democracias modernas, ditas representativas, conservam algumas mazelas do autoritarismo, entre as quais a capacidade de confundir o interesse geral com o interesse individual ou de grupos, a preservação de oligarquias e a consequente extensão de redes invisíveis de poder.

Os malefícios gerados pelas distorções da democracia se assemelham ao efeito-espuma. Os fenômenos se expandem, criando tipos de ilegalidade, desenhando uma aética nas relações políticas, fomentando o clientelismo, o voto fisiológico e a apatia das massas.

As taxas de credibilidade na política e nos governantes decrescem, os valores éticos se estiolam, os fundamentos morais da sociedade se abalam e o resultado de tudo isso é o atraso no processo de modernização política e social. As reformas, proclamadas e declamadas em todos os ciclos políticos, abrangem aquelas voltadas para os sistemas judiciário, tributário e político – e, até essa última, que tramita no Congresso, sobre a mudança do regime (implantação do semipresidencialismo). Ora, elas não eliminariam as deformações sofridas pela democracia. Seriam um passo ainda curto no caminho do aperfeiçoamento.

Portanto, iremos conviver, por muito tempo ainda, com o poder invisível e suas nefastas consequências.

É oportuno anotar: falta vontade política para eliminar os cancros que se formam nas entranhas do Estado; falta coragem para listar juízes e magistrados corruptos, punindo-se severamente; falta um Congresso disposto a abrir as comportas da política e implantar os pilares da transparência.

Como é possível usar cárceres de segurança máxima como escritórios da ilegalidade? E por que a corrupção parece ter aumentado nos últimos tempos? Alguns dizem que a doença da corrupção tem se espraiado porque os controles são mais rígidos e, assim, os casos chegam à opinião pública em maior volume. O TCU tem ganhado grande destaque com seus olhos de “big-brother”. Será que outros órgãos correm nessa mesma trilha, a AGU (Advocacia Geral da União), o MP (Ministério Público), a PGU (Procuradoria Geral da União), a CVM (Comissão de Valores Mobiliários), entre as muitas siglas que povoam a seara institucional?

Leia Também:  A parábola dos talentos

O fato é que o estágio civilizatório de um povo é fator determinante para aferir o estágio de desenvolvimento de um país. Povos dóceis, indiferentes, ignorantes, passivos parecem ser os da preferência dos governantes, mas a democracia tem necessitado cada vez mais de cidadãos ativos, conscientes, participativos. A cidadania ativa, tão bem-conceituada por John Stuart Mill, em suas Considerações sobre o Governo Representativo, pode ser conseguida por meio da educação.

Não adianta fazer reforma política – mudar sistema de voto, de representação, exigir fidelidade partidária, conferir aos partidos densidade doutrinária – se os súditos, na simbologia de Bobbio, se assemelham a um bando de ovelhas pastando capim. A promessa da democracia – de educar os cidadãos – é, por isso mesmo, o compromisso prioritário para que o Brasil possa sair do estágio pré-civilizatório em matéria de cidadania política.

Enquanto os brasileiros estiverem comendo no velho prato cultural e educacional, usufruindo programas assistencialistas de cunho populista, como bolsas famílias, pés de meia, minha casa minha vida, as nossas doenças permanecerão.

 

*Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político.

COMENTE ABAIXO:
Continue lendo

ENTRETENIMENTO

MAIS LIDAS DA SEMANA