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Derrapadas, gafes e deslizes

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OPINIÃO

Já se foi o tempo em que brasileiras e brasileiros riam dos deslizes e gafes de Lula, feitos de improviso e andando de um lado para outro em palanques montados em eventos governamentais. Sua última tirada, tendo como foco uma “mulher bonita”, nomeada para estabelecer diálogo mais eficaz com os congressistas, exibe a face preconceituosa de um governante que já se considerou insuperável na arte de encantar as massas. Qualidade que, de tanto uso e desuso, passou a ser malvista pela comunidade política.

Nem a recém-nomeada ministra, Gleisi Hoffmann, pode não ter apreciado a boutade, pois sua autoconfiança será corroída pela dúvida: os bons resultados da articulação política serão atribuídos à minha estética ou à minha capacidade de intermediação?

Ao cometer mais uma fala desastrosa no seu repertório de sandices, o presidente entra no páreo para disputar com seu antecessor, o ex-presidente Jair Bolsonaro, o título do governante “mais misógino da contemporaneidade”.

Ainda se ouve o eco dos arremessos extravagantes do capitão, tanto aquele que desferiu contra a deputada Maria do Rosário (PT-RS) – “só não te estupro porque você não merece” – quanto o mais recente, disparado contra as mulheres petistas – Você pode ver, não tem mulher bonita petista, só tem feia. Às vezes acontece… Eu estou no aeroporto, alguém me xinga, mulher né… Eu olho para a cara dela, e ‘nossa mãe’… Incomível”.

Lula caminha há tempos no rastro do machismo. As metáforas futebolísticas provocam apenas risos de bajuladores, como essa:

– Hoje, eu fiquei sabendo de uma notícia triste, eu fiquei sabendo que tem pesquisa, Haddad, que mostra que depois de jogo de futebol, aumenta a violência contra a mulher. Inacreditável. Se o cara é corinthiano, tudo bem.

Queria certamente fazer graça. A socióloga Janja, companheira e conselheira, deve ficar constrangida diante das comparações, metáforas e símbolos, de péssimo gosto, que o ex metalúrgico não se cansa de externar em palanques cada vez menores.

A bem da verdade, Lula e Bolsonaro são extensões dos boquirrotos que têm ilustrado a história da política com frases malditas. O general João Figueiredo, o ex-presidente açodado, dizia que o “cheiro de cavalo é melhor que o cheiro de povo”;  Paulo Maluf chegou ao cúmulo de sugerir aos bandidos: “estupra, mas não mata”. Lá para trás, ouvia-se o brigadeiro Eduardo Gomes, candidato à presidência da República, no final do Estado Novo, proferir do alto de um palanque, às vésperas das eleições de dezembro de 1945: “não preciso do voto dos marmiteiros”. Perdeu a eleição para o marechal Eurico Gaspar Dutra, mas deixou para adocicar as festas de aniversário, o doce com o nome de sua patente: “brigadeiro”. Os doces eram usados para arrecadar fundos para sua campanha.

O fato é que as falas engraçadas e as tiradas pitorescas só fazem sucesso em blocos de engajados e radicais, porque alimentam seus instintos e seu arsenal de guerra. E por que não são mais populares? Pelo fato de que o cidadão brasileiro, ao correr do tempo, tem adentrado o terreno da racionalidade, passando a exigir padrões políticos mais qualitativos. Os eleitores são mais questionadores, dedicam mais atenção ao processo político, têm mais informações e observam a trajetória dos governantes.

O povo acompanha a vida política, quer participar e sabe expressar suas demandas. A cada eleição, dá seus recados, parecendo querer virar a mesa, demonstrando seu inconformismo contra o status quo. A docilidade e indiferença de súditos estão sendo substituídas pela indignação de cidadãos. Indignação que se volta contra falas misóginas, discriminações étnicas e raciais.

Os demagogos de hoje são rejeitados. Os políticos tradicionais, trancados em gabinetes, começam a ser substituídos pela figura do gerente, do realizador, do planejador eficiente, do administrador competente.

O populismo e seu fruto, o assistencialismo corruptor do pão e circo, cede espaço aos programas estruturantes e projetos de desenvolvimento social.

Gonzaguinha, o filho do Gonzagão, continua vivo a açoitar a consciência de nossas elites: “a gente não tem cara de babaca; a gente quer é ter pleno direito, a gente quer é ter muito respeito, a gente quer é ser um cidadão”.

O deboche, os ditos jocosos, as gafes, sejam espontâneas ou fabricadas começam a ser banidas da linguagem da política.

 

*Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político.

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OPINIÃO

Janelas de oportunidades econômicas

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A verdadeira “tsunâmi tarifária” imposta ao mundo pelo presidente Donald Trump abre promissoras janelas de oportunidades econômicas para o Brasil em suas transações do comércio exterior.

A partir do dia 05 último, entrou em vigor a descomunal tarifação anunciada pela Casa Branca sobre as exportações de 185 parceiros comerciais dos EUA, com tarifas que variam de um patamar mínimo de 10%, chegando a 54% para alguns países. Ao colocar o Brasil na tarifa mínima de 10%, considerada neutra sob o aspecto do comércio exterior, a nova política tarifária aduaneira americana cria, involuntariamente, boas possibilidades para o Brasil expandir mercados para as empresas brasileiras, aumentar suas exportações para parceiros comerciais com os quais já transaciona e deve acelerar a celebração do acordo comercial Mercosul-União Europeia, fato que vai beneficiar diretamente a economia brasileira.

Além das retaliações já anunciadas pela China, aquele país asiático deve reduzir drasticamente as importações de produtos agrícolas americanos, aumentando suas compras do agronegócio brasileiro. Como, aliás, já havia acontecido no primeiro mandato de Donald Trump na presidência dos Estados Unidos quando sobretaxou as importações de produtos chineses. Em retaliação, o governo de Pequim aumentou as tarifas e barreiras aduaneiras sobre produtos americanos, reduziu compras de carnes, soja e milho e passou a comprar mais do agro brasileiro, tornando-se nosso maior parceiro comercial. Seis meses depois, os EUA foram forçados a firmar, às pressas, um acordo com os chineses, retirando a sobretaxação e combinando um pacto que previa elevadas cotas de compras de commodities agropecuárias americanas que os asiáticos nunca cumpriram e nada sofreram pelo descumprimento.

A União Europeia, além das sobretaxações recíprocas, deve acelerar acordos comerciais com outros continentes como parte da estratégia de enfrentamento à ameaça americana ao atual sistema internacional de comércio, construído a duras penas por décadas de aprimoramentos e complexas negociações comerciais e diplomáticas. Nesse contexto, o acordo comercial Mercosul/União Europeia surge como uma alternativa óbvia para manutenção do fluxo comercial e reduzir a dependência das compras americanas.

Formou-se um consenso entre analistas financeiros, grandes universidades americanas e consultorias que as medidas anunciadas pelo governo americano guardam um evidente desconhecimento macroeconômico e de relações internacionais, a partir do “fetiche da reindustrialização”. Como resultado, produzirão retração da economia do país, aumento da inflação e, por conseguinte, reduzirá a rentabilidade das empresas e a renda das famílias americanas. Em editoriais, os principais jornais americanos consideram que foi o maior ato de autossabotagem do país, já visto na história. Os grandes bancos americanos atualizaram suas projeções aumentando para 60% a possibilidade da economia dos EUA entrar em recessão em 2025/2026.

Em relatório distribuído a clientes, o IIF (Instituto de Finanças Internacionais, na sigla em inglês), que reúne mais de 400 bancos e instituições do mundo, considera que as medidas aumentam exponencialmente as possibilidades de queda da atividade econômica americana e aumento da inflação pois encarecem insumos essenciais da indústria (aço, alumínio, cobre refinado, semicondutores, farmacêuticos, fertilizantes) e atingem todas as cadeias de suprimentos vitais para a produção doméstica americana.

A tarifa neutra estabelecida na nova política tarifária trumpista oferece ao Brasil um dos maiores impulsos ao seu comércio exterior. O país ainda pode se beneficiar do enfraquecimento do dólar, redução dos preços internacionais do petróleo e abertura de novos mercados para os produtos agropecuários como Vietnã, Japão, Indonésia. Além, naturalmente, de aumento das vendas para China e mercado europeu.

É muito provável que o presidente americano recuará da maior parte das mudanças tarifárias, pressionado pelos consumidores-eleitores, grandes corporações empresariais americanas e pelo resto do mundo. Considero completamente improvável o redesenho de todo o sistema de comércio internacional de forma unilateral. Uma arquitetura de comércio que começou a ser construído desde o final da segunda guerra mundial pelos maiores líderes políticos e empresariais do mundo civilizado O atual sistema de comércio exterior teve como principais arquitetos os estrategistas econômicos e geopolíticos americanos. A intensa expansão da comercialização de bens e serviços entre as nações é responsável por grande parte do enriquecimento dos EUA e contribuiu, juntamente com a industrialização e inovação tecnológica, para o país se tornar a maior economia do planeta.

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