CUIABÁ

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A sutil desculpa prostática de cuidar

“O peixe morre pela boca.” (Provérbio popular)

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OPINIÃO

Homens não gostam de ir ao médico ou vão somente quando estão nas últimas e, com base nas experiências práticas do dia a dia, nota-se a marcada presença das mulheres no consultório médico cuidando dos seus problemas de saúde comparada à tímida ida dos homens ao mesmo local.

Quando se procura entender o porquê desta grande diferença, a resposta da parte dos homens é que os horários das consultas chocam com os turnos de trabalho, além de existir um temor em apresentar um atestado médico com risco de sanções e até mesmo demissões. Outra justificativa é a de que para ir ao médico, é necessário estar doente. Assim sendo, se não existe doença, não é necessária a consulta médica, dizem.

Existe a caridosa ação onde as mulheres heroicamente conseguem trazer seus esposos, pais, filhos, genros e netos às unidades de saúde. A arte usada para a sedução? Procuro não saber, mas o fato é que quando esses homens adentram o consultório é uma surpresa em cada paciente. O compêndio que vai desde Hipertensão, Diabetes, surdez por excesso de cerume, crises ansiosas com amenização em bebidas e drogas até outras adições. Todos problemas, muitas vezes, descobertos ali, naquele pontual e quase sempre único momento de consulta. Uma vez que o diagnóstico foi feito, a frequência vira rotina.

É inquestionável que os Novembros Azuis trouxeram os homens para as consultas médicas. O Novembro Azul, originalmente conhecido como Movember, foi uma junção das palavras moustache (bigode) e November (novembro). Teve início na Austrália com um grupo de amigos deixando crescer o Bigode em defesa da saúde do homem. Tinham como referência o Outubro Rosa e a prevenção do Câncer de Mama. No dia 17 do mês seguinte, era a reflexão sobre o Câncer de Próstata. Seria unir a motivação e a prática. Em 2011 a campanha iniciou no Brasil. Em definitivo, o Câncer de Próstata é um motivo (não menos importante) para trazer os homens para cuidar da sua saúde. E tem dado certo.

Considerando as dificuldades de adesão dos homens às consultas, algumas medidas são tomadas para que um maior público masculino seja atendido. As unidades de saúde promovem horários e dias alternativos de consultas e atividades de valorização da saúde dos homens. Laboratórios privados oferecem exames e testes de graça para que os homens possam cuidar da sua saúde. Como os resultados dos exames precisam ser interpretados por um médico, os homens acabam tendo que agendar uma consulta e novas descobertas de doença ou possibilidades de tratamentos são iniciados.

Muito há por se fazer com relação à saúde do homem uma vez que estes apresentam a expectativa de vida menor comparado às mulheres e, ter o Câncer de Próstata como protagonista nem que seja por um mês, foi e é uma ótima ferramenta. É necessário também um maior engajamento político e social no que diz respeito à saúde masculina. Campanhas de saúde, flexibilidades nos postos de trabalho para facilitar a adesão dos homens às unidades de saúde e a amenização dos pensamentos machistas de invencibilidade considerando que homens também morrem ademais do cumprimento do projeto de Lei 6568/13 do Senado que instituiu a Política de Atenção Integral à Saúde do Homem.

Como diz o sábio ditado de que “o peixe morre pela boca”. Que os novembros azuis possam ser a isca necessária para que os homens não morram nem pela próstata ou muito menos por outra doença que pudesse ser descoberta e tratada a tempo.

*Julio César Marques de Aquino (Júlio Casé) é médico de Família e Comunidade pela SMS- Sinop/MT. Professor de medicina de pela UFMT campus Sinop. Autor do livro “Receitas para a vida” pela editora Oiticica. Medico residente de Psiquiatria HMCL – SMS – São Paulo. Titular da cadeira número 35 da Academia Sinopense de Ciências e Letras cujo o patrono é o médico e escritor Moacyr Scliar. Contato: email: [email protected].

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OPINIÃO

O fulanismo na política

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A vespa pousou na cabeça de uma serpente, pondo-se a atormentá-la com seu ferrão. Louca de dor, não podendo defender-se de seu inimigo, a serpente meteu a cabeça debaixo da roda de um carro, morrendo junto com a vespa. Esopo mostra, nesta fábula, que certas pessoas não hesitam em morrer arrastando seus inimigos e, até amigos. Pois é isso que está ocorrendo na esfera política nacional.
Atores políticos do situacionismo e do oposicionismo estão se comportando como vespas e serpentes. Ao tentarem construir uma pira para queimar o nome de Flávio Dino, indicado por Lula para o STF, e ainda chamuscar a imagem do procurador Paulo Gonet, indicado para assumir a PGR, caracterizando-o como um conservador próximo ao bolsonarismo, senadores e grupos do próprio petismo colocam em combustão o tênue fio com que o presidente da República costura a teia de articulação com o Congresso.
Os dois indicados devem passar pelo crivo, mesmo sendo gravetos da fogueira que, de maneira cíclica, acende as tensões entre os três Poderes. O fato é que a crise crônica da política se alimenta de tensões fabricadas por uns e outros com o intuito, quase sempre, de ganhar dividendos. E tem como origem a fulanização da política, a personalização do poder, o vedetismo midiático, que esvaziam o debate político da força das ideias, substituídas pela expressão particularizada.
A luta política no Brasil reduz-se a uma rivalidade entre pessoas e grupos. Lula, Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Luis A.Barroso, Arthur Lira, Rodrigo Pacheco, Fernando Haddad são, entre outros, os protagonistas que ocupam imensos espaços na mídia, a atestar a fulanização da política e da justiça. O Judiciário fulanizado? Pois é o que temos.
Afinal, onde estão as ideias, os programas, a doutrina, a substância? Será que a política é apenas uma luta de tele-catch? Ou um passeio no lago de Narciso? Os atores se enrolam no teatro do falso retrato, da autocontemplação, que mostra como os homens públicos se banham nas águas de Narciso, aquele que foi condenado pelos deuses a se apaixonar pela própria imagem. Como conta a lenda, ele tomou-se de amores pela imagem quando se contemplava nas águas transparentes de uma fonte. Obcecado pelo reflexo, Narciso não mais se afastava da fonte, definhando ali até a morte.
O Brasil está recheado de narcisistas, pessoas fascinadas pelo seu próprio brilho, um brilho ilusório, porque muitas perdem o poder, mas não o orgulho. Que tipo de mal os narcisistas cometem contra si mesmos e contra a sociedade? O maior dos males é o da inação, o da inércia, o da perda do senso. Presos no simulacro do poder, exibem um prestígio falso, que frequentemente conduz ao ócio. Aliás, praestigium, do latim, significa nada mais nada menos que artifício, ilusão, malabarismo. Os malabaristas da política desempenham a peça da mistificação das massas, fazendo-as crer que o discurso é a ação, o verbo é a promessa, a palavra que vale é a sua.
O convívio intenso e longo com o poder tem um poderoso efeito narcotizante. Transforma seres mortais, pessoas simples e humildes, gente com histórias iguais a de seus semelhantes, em “deuses” de um Olimpo cada vez mais povoado. A que se deve esse tipo de distorção? Às nossas heranças culturais. Entre as quais, a tradição da oralidade. Que penetrou profundamente nas veias, mentes e corações da representação política, a ponto de se atribuir, por muito tempo, a grandeza dos homens públicos não aos projetos e feitos empreendidos, mas ao domínio do verbo no palanque ou na tribuna parlamentar.
Duas historinhas, muito conhecidas, mostram os dois pólos do discurso tradicional da política. A primeira é a do baiano, embevecido com a retórica complicada, cheia de palavras difíceis, do candidato em comício em uma cidade interiorana. Não se cansou de bater palmas, concluindo categórico: “não entendi nada do que o homem falou, mas falou bonito; vai levar meu voto”. A segunda historinha é a do candidato a deputado, que, arrebatado, enérgico, espumando de civismo, discorria sobre o sentido da liberdade. Argumentava que um povo livre sabe escolher os seus caminhos, seus governantes, eleger os seus deputados. Para entusiasmar a multidão, levou um passarinho numa gaiola, que deveria ser solto no clímax do discurso.
No momento certo, tirou o passarinho da gaiola, e com ele na mão direita, jogou o verbo: “a liberdade é o sonho do homem, o desejo de construir seu espaço, sua vida, com orgulho, sem subserviência, sem opressão; Deus (citar Deus é sempre bom) nos deu a liberdade para fazermos dela o instrumento de nossa dignidade; quero que todos vocês, hoje, aqui e agora, comprometam-se com o ideal do homem livre. Para simbolizar esse compromisso, vamos aplaudir soltar esse passarinho, que vai ganhar o céu da liberdade”. Ao abrir a mão, viu que esmagara o passarinho. A frustração por ter matado o bichinho acabou com a euforia e as vaias substituíram os aplausos. Foi um desastre. É sempre assim quando não se controla a emoção. Em se tratando do discurso político, a emoção mata a razão.
O narcisista e o demagogo, o verborrágico e o reizinho cheio de empáfia, são dois tipos comuns às massas. O encontro do ruim com o pior, de Narciso com Justo Veríssimo, canhestro personagem de Chico Anísio, é um traço perverso de nossa seara política.
*Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político

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