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Vendas de sentenças

Lobby, violência e conexões perigosas: a parte não contada do escândalo

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GERAL

Foto: Divulgação

As investigações sobre o esquema de venda de sentenças no Superior Tribunal de Justiça (STJ), a segunda mais alta corte do país, têm duas frentes distintas, ambas com alto potencial explosivo. Só que uma delas, até agora menos conhecida do grande público, é bem mais sensível que a outra – e, se bem apurada pela Polícia Federal e pela Procuradoria Geral da República, tem potencial para avançar sobre a atuação de poderosos escritórios de Brasília, muitos ligados a parentes de ministros, que faturam fortunas para solucionar processos em tramitação nos tribunais.

A parte já sabida da trama envolve mensagens e outros arquivos encontrados no telefone celular de um advogado morto em dezembro do ano passado em Cuiabá. No aparelho havia provas de que ele fazia pagamentos polpudos a um empresário-lobista de Brasília que tinha acesso a gabinetes do STJ e conseguia antecipar decisões e até modificá-las, a depender do dinheiro e do interesse dos clientes. Funcionários dos gabinetes, que depois recebiam uma parte do pagamento, facilitavam o trabalho da quadrilha.

Essa frente, embora tenha se provado bastante eficiente para os clientes da máfia e movimentado nos últimos anos valores na casa das dezenas de milhões de reais, girava mais no andar de baixo. As próprias mensagens encontradas no celular do advogado morto revelam personagens toscos na intermediação das transações. Em uma delas, Andreson Gonçalves, o empresário lobista de Brasília que fazia a ponte com os gabinetes, diz, ao garantir que conseguiria resolver um processo: “Quem vai fazer o voto vai ser a juíza extrutora amiga minha”. Ele, evidentemente, queria dizer “juíza instrutora”. Juízes instrutores são magistrados, geralmente de primeira instância, que assessoram os ministros de tribunais em seus gabinetes.

Esse é só um exemplo de como Andreson, dono de uma transportadora, passava longe de ser um ás das letras jurídicas, apesar da sua alta taxa de sucesso e de ostentar uma vida faustosa.

A outra ponta da investigação, que por uma imensa coincidência acabou se encontrando com a do esquema do empresário-lobista, é muito mais polida e sofisticada. E nasce de uma história de arromba, que envolve violência, traição, dinheiro, lobby, oferta de facilidades em gabinetes, conexão com grandes bancas de Brasília e amizades estreitas com ministros de tribunais superiores e seus familiares, donos de escritórios.

Pancadaria em Lisboa

Em junho passado, a advogada Caroline Azeredo viajou a Lisboa para participar de um conhecido evento que, todos os anos, reúne estrelas do Judiciário, do mundo empresarial, da advocacia e da política do Brasil na capital portuguesa. Em torno do evento, apelidado de “Gilmarpalooza” por ser organizado pelo instituto fundado pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), costumam ocorrer animadas festas nas quais se encontram, também, os interesses dos participantes.

Caroline levou consigo na viagem a Portugal seu novo namorado, Victor Pellegrino Júnior, um jovem recém-formado em Direito e lutador de artes marciais. Ela tinha saído havia pouco tempo de um relacionamento conturbado com Rodrigo Otávio Alencastro, procurador do governo do Distrito Federal e advogado privado com altas conexões no mundo do poder e, em especial, nos bastidores da cúpula do Poder Judiciário.

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Alencastro também estava em Lisboa para a conferência. Primeiro, logo após as palestras iniciais do encontro, em uma festa num hotel cinco estrelas na qual estavam, também, políticos, empresários e advogados estrelados, ele e Carolina se esbarraram. Houve um princípio de estresse. Ela foi embora com o namorado. Alencastro ficou.

Dois dias depois, já no final de outra festa da programação paralela do evento, o trio se encontrou novamente. E, dessa vez, a história não acabou bem. Houve troca de agressões verbais, e a discussão descambou para a violência física. Victor, o novo namorado de Caroline, espancou Rodrigo Alencastro, que na confusão ficou sem a carteira e teve o telefone celular e a pulseira de seu Rolex quebrados.

Segredos revelados

Na volta ao Brasil, Alencastro procurou a Polícia Civil do Distrito Federal, registrou a agressão sofrida em Portugal e prestou um depoimento que, para o padrão low profile das operações paralelas do universo brasiliense, contém elementos bombásticos. Ele disse que Carolina, sua ex, vende influência em gabinetes do STJ. E citou casos específicos. E gabinetes específicos.

Poderia ser apenas mais uma intriga decorrente de uma briga conjugal. Mas a história profissional e pessoal dos dois personagens centrais da história, Caroline e Alencastro, fazem a trama subir para um patamar bastante elevado.

Para além de sua função pública como procurador do Distrito Federal, Rodrigo Alencastro é um dos principais advogados de um dos maiores escritórios de Brasília, o Alckmin Advogados, de propriedade do ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) José Eduardo Alckmin, primo do vice-presidente da República, Geraldo Alckmin. Alencastro chegou como estagiário há 29 anos e hoje se apresenta como sócio da banca. Ele também integra a sociedade de outro escritório, junto com o irmão gêmeo.

O escritório

Foi no escritório de Alckmin, por sinal, que ele conheceu Caroline Azeredo, há quinze anos. Ela ingressou também como estagiária, e depois foi efetivada como advogada. Saiu tempos depois, quando, num despacho no STJ na companhia de José Eduardo Alckmin, foi convidada pelo então ministro Napoleão Nunes Maia para trabalhar em seu gabinete.

Com porte de top model, Carol chamava atenção por onde passava – e quem conhece ela e Napoleão diz que foi o conjunto da obra que fez o ministro, afamado entre os pares como um galanteador incorrigível, convidá-la. Os dois passaram a ter uma relação de muita proximidade.

A advogada passou pouco menos de um ano no gabinete de Napoleão no STJ e voltou para o escritório de José Eduardo Alckmin. Ela e Alencastro, àquela altura, tinham um relacionamento estável. E, juntos, privavam da intimidade da nata do Judiciário em Brasília.

Ele é próximo de ministros e, especialmente, amigo de filhos de ministros que são donos de escritórios e atuam em processos milionários que tramitam nas cortes superiores. Ela foi se ambientando cada vez mais nesse meio. Os dois tinham acesso privilegiado a personagens decisivos nos tribunais, inacessíveis a advogados comuns, reles mortais.

Luxo e poder

O casal era parte de um mundo de luxo, negócios e ostentação, que gira em torno de mansões, carrões, viagens, jatos privados, vinhos caros, parcerias entre advogados e escritórios e muitas conexões de altíssimo nível. Alencastro e Caroline frequentavam festas, no Brasil e no exterior, várias delas com a presença dos próprios magistrados, empresários multimilionários e políticos de relevo. Alguns desses eventos eram organizados justamente para ligar interessados em processos em curso nos tribunais aos magistrados responsáveis por assiná-las – e a seus parentes.

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Se mapeada a contento, essa teia pode levar os investigadores a mapear como nunca antes o ecossistema dos escritórios de lobby que orbitam os tribunais superiores.

“É um verdadeiro balcão, e isso pode desaguar num escândalo sem precedentes para o Judiciário”, disse ao PlatôBR um importante ministro com conhecimento do caso. Outro afirmou, também sob reserva, que a frente que envolve Alencastro e Carolina pode dar uma nova dimensão à investigação sobre a venda de sentenças. Há dúvidas, porém, sobre o futuro do caso: por seu alto potencial explosivo e pelas figuras conectadas à trama, autoridades envolvidas acreditam que, em algum momento, a apuração pode travar.

Recados aos tribunais

No depoimento que prestou à polícia acusando sua ex, Rodrigo Alencastro deixa claro que sabe muito mais. E, em conversas reservadas nas últimas semanas, ele tem demonstrado que sabe mesmo, muito embora tenha enviado recados a ministros nos últimos dias, por meio de um famoso advogado amigo com ótimos relacionamentos em Brasília, garantindo que não está disposto a expor os ministros (e que, se perguntado, dirá que não tem mais nada a dizer além do que está no depoimento).

Do tempo em que o casal esteve junto, Alencastro guardou registros importantes sobre movimentos que Caroline fazia nos bastidores. Frequentadores dessas altas rodas têm, inclusive, registros de baladas com a participação de garotas de programa de luxo e a memória de transações movidas a muito dinheiro para obter decisões favoráveis, principalmente no STJ.

O paradeiro de Caroline Azeredo é desconhecido. Dias atrás, em uma nota pública, ela disse que passou a ser atacada por Rodrigo Alencastro com “informações inverídicas” porque ele está inconformado com o término do relacionamento. Alencastro não quis dar declarações. O PlatôBR tentou contato com o advogado José Eduardo Alckmin, dono do escritório onde o casal se conheceu, mas ainda não teve retorno.

As declarações prestadas por Rodrigo Alencastro à Polícia Civil de Brasília na volta da viagem a Portugal foram enviadas ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e à Polícia Federal. Por uma enorme coincidência, elas acabaram chegando pouco depois de os dois órgãos começarem a investigar o conteúdo do celular do advogado morto em Cuiabá, que já dava um panorama detalhado sobre o tráfico de influência nos gabinetes da corte. Com um detalhe interessante: algumas das informações prestadas por Alencastro envolviam gabinetes que também aparecem nas mensagens obtidas no celular do advogado assassinado. Embora sejam duas frentes distintas, há um elo entre elas. E a segunda, se bem explorada, como disse um ministro a par da história, tem tudo para multiplicar o tamanho do escândalo.

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Relatório do TCE revela R$ 4,7 bilhões em benefícios fiscais a empresas da Moratória da Soja em MT

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O relatório preliminar da auditoria sobre os incentivos fiscais, realizada pelo Tribunal de Contas de Mato Grosso (TCE-MT), revela que entre 2019 e 2024 empresas signatárias da Moratória da Soja foram beneficiadas com R$ 4,7 bilhões. Os dados foram divulgados pelo relator do processo, conselheiro Antonio Joaquim, durante a sessão ordinária desta terça-feira (29).

Segundo o levantamento, os valores correspondem a 28% do total de renúncias fiscais concedidas pelo Estado por meio do Programa de Desenvolvimento Industrial e Comercial (Prodeic) no período, que somam R$ 16,6 bilhões. Entre as principais beneficiadas estão multinacionais do agronegócio, como Bunge, ADM, Cofco Internacional e Cargill.

O conselheiro informou que o relatório final da auditoria será concluído nesta semana e encaminhado às autoridades competentes. “Estamos falando de um valor bilionário de empresas que não estão merecendo esses incentivos. A lei do Prodeic é clara: é para diminuir desigualdades e melhorar a qualidade de vida das pessoas. Precisamos dar transparência a essa questão”, afirmou.

Relatório preliminar foi apresentado pelo conselheiro-relator, Antonio Joaquim, na sessão ordinária desta terça-feira [Foto –Tony Ribeiro] 

Durante a sessão, Antonio Joaquim também citou decisão recente do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), que autorizou o Governo de Mato Grosso a não conceder incentivos fiscais a empresas adeptas da Moratória da Soja. Dino reconsiderou parcialmente sua própria decisão liminar e restabeleceu a Lei Estadual nº 12.709/2024, a partir de 1º de janeiro de 2026.

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“Podemos considerar uma grande vitória nesta luta, que começou com o debate provocado por representantes das câmaras municipais e chegou ao Tribunal. Agora, o ministro autoriza o Estado a não dar incentivos fiscais, que se diga, são gastos que saem do orçamento”, completou o relator da auditoria.

Diante dos dados apresentados, o presidente do TCE-MT, conselheiro Sérgio Ricardo, criticou o volume de recursos destinados às empresas. “A preço de R$ 300 milhões por hospital, só o que foi para a Bunge daria para construir cinco. Para a ADM, mais cinco. Cofco Internacional, dois. Cargill, mais dois. Fiagril, um. Em resumo, daria para construir 16 hospitais como o que o Governo entregou”, disse.

Além disso, Sérgio Ricardo reforçou que é preciso refletir sobre o retorno que esses empreendimentos vêm oferecendo ao estado. “O que a Bunge dá a Mato Grosso para receber R$ 1 bilhão? Ela precisa? Ela devolve para a sociedade? Essas empresas se fortalecem com esses incentivos e acabam afogando as demais. Esse assunto precisa ser tratado como política de Estado”, concluiu.

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